Diabetes e cérebro: impactos na saúde cognitiva

Alterações persistentes na glicemia afetam diretamente estruturas cerebrais, com impactos observáveis na memória, atenção e raciocínio. Por isso, a relação entre diabetes e cérebro tem ganhado destaque na pesquisa científica.

Um estudo publicado na eLife (2022), com dados de mais de 20 mil participantes do UK Biobank, revelou que pessoas com diabetes tipo 2 apresentam perda acelerada de massa cinzenta. A taxa de atrofia cerebral é cerca de 26% maior do que a esperada com o envelhecimento natural.

As regiões mais comprometidas são o estriado ventral, o cerebelo e o putâmen — áreas ligadas à regulação emocional, funções executivas e aprendizado. Além das alterações estruturais, o estudo observou uma reorganização funcional da atividade cerebral, especialmente em regiões como o córtex pré-motor, a área subgenual e o tronco cerebral.

🧠 Como o cérebro responde às alterações glicêmicas

A glicose é a principal fonte de energia do cérebro. Quando os níveis estão constantemente elevados ou muito instáveis, a atividade cerebral precisa se reorganizar para manter o funcionamento mínimo necessário.

Segundo o estudo publicado na eLife (2022), pessoas com diabetes tipo 2 apresentam redução da ativação cerebral em áreas como o córtex pré-motor e o núcleo caudado, regiões associadas à coordenação motora e planejamento de ações.

Ao mesmo tempo, há aumento da atividade em outras regiões, como o córtex orbitofrontal, tronco cerebral e córtex cingulado posterior. Essa redistribuição não representa ganho funcional, mas sim uma tentativa de compensação diante da menor disponibilidade de energia para os circuitos cerebrais tradicionais.

Esse padrão se aproxima do que ocorre no envelhecimento normal, mas aparece de forma mais precoce e intensa em pessoas com diabetes. A hipótese levantada pelos autores é que o cérebro, em um contexto de glicose mal aproveitada, passa a operar em redes menos exigentes do ponto de vista energético.

Com isso, funções cognitivas que exigem maior esforço — como foco, memória de trabalho e processamento rápido de informações — são as primeiras a apresentar quedas de desempenho.

🧩 Funções cognitivas mais impactadas pelo diabetes

O declínio cognitivo em pessoas com diabetes tipo 2 costuma atingir primeiro áreas como função executiva e velocidade de processamento. Essas habilidades são essenciais para tarefas do dia a dia, como tomar decisões, resolver problemas e organizar informações.

De acordo com a análise do UK Biobank publicada na eLife (2022), o desempenho em testes de função executiva foi, em média, 13% inferior entre pessoas com diabetes em comparação com controles da mesma idade, escolaridade e pressão arterial. Já a velocidade de processamento apresentou uma redução de quase 7%.

A memória de curto prazo também mostrou queda discreta, enquanto a memória verbal e visual de longo prazo tiveram variações mais sutis. Essas alterações sugerem um padrão típico de dificuldades para manter atenção sustentada, reagir rapidamente a estímulos e lidar com múltiplas tarefas simultâneas.

Com o tempo de doença, essas perdas se tornam mais evidentes. O estudo identificou que, para cada ano após o diagnóstico, há uma progressão da perda cognitiva, especialmente se não houver manejo eficaz da glicemia.

🧠 Alterações estruturais no cérebro de pessoas com diabetes

A exposição prolongada à hiperglicemia pode provocar mudanças visíveis na anatomia cerebral. A perda de volume em regiões específicas do cérebro é um dos efeitos mais consistentes observados em pessoas com diabetes tipo 2, mesmo antes de sinais clínicos de declínio cognitivo.

🔬 Atrofia nas regiões mais sensíveis à glicemia

Análise feita com imagens de ressonância magnética no estudo da eLife (2022) revelou que pessoas com diabetes tipo 2 apresentam redução significativa da massa cinzenta em áreas associadas ao comportamento, ao aprendizado e à regulação emocional.

As perdas mais relevantes ocorreram:

  • No estriado ventral, com redução de 6,2% no volume;
  • No cerebelo, com perda de 4,9%;
  • E no putâmen, com queda de 4,7% em média.

Essas áreas são especialmente vulneráveis à glicemia elevada por concentrarem transportadores de glicose sensíveis à insulina (GLUT-4). Quando há resistência à insulina, o cérebro recebe menos energia, afetando a integridade dos neurônios e a capacidade de comunicação entre as regiões.

Segundo a Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD), esse tipo de alteração pode ocorrer sem sintomas cognitivos evidentes, o que reforça a necessidade de atenção redobrada ao cérebro de quem vive com diabetes, especialmente em fases iniciais da doença.

⏳ Avanço da doença acelera a perda cerebral

Quanto maior o tempo de diagnóstico, maior a tendência de perda estrutural no cérebro.

De acordo com os pesquisadores da eLife, a progressão da atrofia cerebral em pessoas com diabetes tipo 2 equivale a uma aceleração de 26% em relação ao envelhecimento esperado para a mesma faixa etária.

Ou seja, uma pessoa com diabetes pode apresentar características cerebrais associadas à idade avançada mais cedo do que o esperado, mesmo mantendo controle parcial da doença.

A ANAD reforça que essa progressão silenciosa é preocupante. Avaliações regulares da função cognitiva — aliadas ao bom manejo glicêmico — podem ajudar a reduzir o risco de neurodegeneração precoce.

🔄 Alterações funcionais no cérebro em pessoas com diabetes

Além das mudanças na estrutura, o cérebro de pessoas com diabetes tipo 2 também passa por uma reorganização funcional. Essa adaptação ocorre como uma tentativa de compensar a menor disponibilidade de energia decorrente da resistência à insulina.

🧬 Reorganização da atividade cerebral em resposta à glicemia

O estudo da eLife (2022) identificou que pessoas com diabetes apresentam redução da ativação em regiões como o córtex pré-motor e o núcleo caudado, responsáveis por funções motoras e cognitivas de planejamento e controle.

Em contrapartida, há um aumento da atividade em áreas como o córtex orbitofrontal, tronco cerebral e córtex cingulado posterior. Esse padrão não representa um ganho funcional, mas sim uma redistribuição de esforços: o cérebro passa a utilizar redes menos exigentes do ponto de vista metabólico para manter o funcionamento mínimo.

Esse fenômeno é semelhante ao que ocorre durante o envelhecimento cerebral. A diferença é que, nas pessoas com diabetes, essa reorganização aparece mais cedo e com maior intensidade.

🧠 O que isso significa na prática clínica

Essas alterações funcionais ajudam a explicar por que pessoas com diabetes tipo 2 relatam, com frequência, dificuldades de concentração, lentidão para processar informações e cansaço mental.

Segundo a ANAD, o cérebro utiliza muita energia para manter a comunicação entre os neurônios. Quando há resistência à insulina, a entrada de glicose nas células nervosas fica comprometida, reduzindo a eficiência dos circuitos cerebrais.

Por isso, mesmo com exames laboratoriais dentro da meta, pessoas com diabetes podem ter desempenho cognitivo abaixo do esperado — especialmente em tarefas que exigem velocidade de raciocínio ou memória de trabalho.

⚠️ Fatores que aumentam o risco de declínio cognitivo no diabetes

Nem todas as pessoas com diabetes desenvolvem alterações cognitivas graves. No entanto, há condições que aumentam a vulnerabilidade cerebral, principalmente quando combinadas.

🔎 Condições que aumentam a vulnerabilidade cognitiva

Segundo a ANAD, o risco de declínio cognitivo se eleva com:

  • Longo tempo de diagnóstico (acima de 10 anos)
  • Histórico de hiperglicemia sustentada
  • Presença de resistência à insulina mesmo em pessoas com sobrepeso leve
  • Episódios frequentes de hipoglicemia
  • Sedentarismo e baixa reserva cognitiva
  • Comorbidades como hipertensão, dislipidemia e obesidade abdominal

Além disso, fatores como idade avançada, histórico familiar de demência e baixo nível educacional aumentam a probabilidade de perdas cognitivas mais significativas.

A combinação desses elementos pode acelerar processos degenerativos que comprometem a função cerebral, especialmente em regiões já sensíveis à glicose.

🧭 Como reduzir o impacto desses fatores no cérebro

A progressão do comprometimento cognitivo pode ser desacelerada com estratégias simples, desde que iniciadas precocemente.

As orientações das diretrizes da ANAD incluem:

  • Manutenção da glicemia dentro da faixa-alvo, com estabilidade ao longo do dia
  • Atividades físicas regulares, que melhoram a captação de glicose pelo cérebro
  • Plano alimentar equilibrado, com baixo índice glicêmico e presença de alimentos antioxidantes
  • Sono regular e de qualidade
  • Estímulo cognitivo por meio de leitura, conversas, cursos e práticas novas

Em pessoas com fatores de risco, o acompanhamento com neurologistas ou neuropsicólogos pode antecipar intervenções e apoiar um manejo mais abrangente da saúde cerebral.

🛡️ Preservação da cognição no manejo do diabetes

O cuidado com o cérebro deve fazer parte da rotina de acompanhamento da pessoa com diabetes. A prevenção do declínio cognitivo envolve tanto ações clínicas quanto mudanças no estilo de vida.

🩺 Ações clínicas no cuidado de pessoas com diabetes

O rastreamento precoce de alterações cognitivas pode ser feito com testes simples de atenção, memória e função executiva durante consultas periódicas.

Segundo a ANAD, é indicado que profissionais de saúde avaliem a cognição em pessoas com:

  • Mais de 60 anos
  • Diabetes com mais de 10 anos de duração
  • Histórico de hipoglicemias severas
  • Queixas subjetivas de memória ou dificuldade de concentração

Além disso, ajustes no tratamento são recomendados em casos com sinais de prejuízo cognitivo, priorizando esquemas terapêuticos com menor risco de hipoglicemia e maior simplicidade na adesão.

O uso de exames de imagem cerebral não faz parte da rotina clínica, mas pode ser considerado em contextos específicos, especialmente quando há suspeita de demência ou comprometimento progressivo.

🧘🏽‍♂️ Autocuidado e estímulos protetores

Além das medidas clínicas, há práticas de autocuidado que contribuem para proteger o cérebro:

  • Atividades físicas aeróbicas regulares aumentam a oxigenação e a neuroplasticidade.
  • Aprendizado contínuo estimula conexões neurais e fortalece a reserva cognitiva.
  • Alimentação com presença de fibras, vegetais e ômega-3 ajuda a reduzir processos inflamatórios.
  • Controle do estresse e do sono favorece a regulação do eixo neuroendócrino.

O cérebro precisa de energia, rotina e estímulo. Adotar hábitos que favorecem o metabolismo cerebral pode trazer ganhos tanto para a saúde cognitiva quanto para o manejo do diabetes como um todo.

🧩 Incluir o cérebro no cuidado com o diabetes é parte da abordagem integral

A relação entre diabetes e cérebro vai além das consequências metabólicas imediatas. O impacto sobre a estrutura e a função cerebral ocorre de forma progressiva, muitas vezes silenciosa, e pode antecipar perdas cognitivas que comprometem a qualidade de vida.

A aceleração do envelhecimento cerebral, o risco aumentado de demência e os prejuízos na atenção, memória e raciocínio exigem uma resposta clínica mais abrangente. Incluir a avaliação cognitiva nas consultas de rotina não é apenas uma estratégia de rastreamento, mas uma forma de proteger o cérebro desde as fases iniciais da doença.

O manejo glicêmico eficaz, o estímulo cognitivo e o cuidado com o estilo de vida são ferramentas que ajudam a preservar a saúde cerebral. Ao reconhecer os sinais precoces e atuar de forma integrada, profissionais de saúde podem ampliar o alcance do cuidado e reduzir as consequências de longo prazo.

 

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