Empreededorismo na Medicina: Caminhos e decisões de carreira

Quando decidi olhar minha trajetória pela lente do empreendedorismo, eu não pensei em abrir uma empresa. Pensei em ampliar o alcance do cuidado. Falo com você, médico, a partir de dois lugares que me formaram: a prática de enfermagem, onde o cuidado acontece no detalhe, e a estratégia de marca pessoal, onde a reputação se constrói pela consistência entre promessa e entrega. Empreender, para mim, é transformar conhecimento clínico em um serviço confiável, previsível e humano, capaz de gerar valor para o paciente, para a equipe e para o sistema. É menos sobre produto e mais sobre consequência: a consequência de organizar o trabalho para que o bom desfecho seja mais provável do que o acaso.

Eu aprendi cedo que ideias não mudam realidades sem processos, e processos não se sustentam sem cultura. A beira-leito me ensinou que quase todos os problemas que estouram no fim da linha começaram muito antes, em pequenas fricções que vão se acumulando: uma informação que não chegou, um protocolo que divergiu, um retorno que não foi marcado, um tempo de espera que desmotiva a adesão. Quando penso em empreendedorismo na medicina, eu penso na responsabilidade de redesenhar essa jornada de ponta a ponta, para que cada transição de cuidado seja um degrau e não um tropeço. Nessa perspectiva, a marca não é um logotipo; é a memória que o paciente guarda da experiência. Uma marca forte em saúde nasce de microconfianças repetidas: a consulta que começa no horário, a explicação que respeita a dúvida, o canal de comunicação que funciona, a conduta que se mantém alinhada com a melhor evidência disponível.

Se há um ponto de partida que eu proponho, é a clareza sobre a tese de valor que você quer comprovar. Em vez de perseguir a “oportunidade do momento”, eu prefiro formular hipóteses testáveis: se reduzirmos o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento, a adesão melhora; se padronizarmos a orientação pós-consulta e validarmos a compreensão do paciente, diminuímos reconsulta desnecessária; se organizarmos um modelo de seguimento ativo para casos crônicos, evitamos descompensações que terminam na emergência. Uma tese de valor bem definida orienta o desenho do serviço mínimo viável, o recorte do público, os indicadores que importam e o que, honestamente, ficará de fora. Esse recorte não é limitação; é estratégia.

Ao longo dos anos, entendi que o que diferencia uma iniciativa promissora de um serviço duradouro é o ritmo de aprendizado. Prefiro pilotos pequenos, com objetivos claros, a apostas amplas que confundem sinal com ruído. Primeiro eu desenho o fluxo com a equipe, depois testo com poucas pessoas, ouço ativamente, mexo no que for preciso, documento o que funcionou, treino de novo, e só então penso em escalar. Quando a prática está madura, o crescimento é consequência. Quando a expansão vem antes da maturidade, aparece como sobrecarga, retrabalho e perda de confiança. O crescimento saudável em saúde é quase sempre um efeito lateral de consistência.

Falar de empreendedorismo na medicina sem falar de ética, governança e segurança do paciente é um atalho perigoso. A tentação de encurtar caminho existe, especialmente quando a agenda fica apertada e a pressão por resultados aumenta. Mas eu aprendi que reputação é, antes de tudo, gestão de risco. Conflitos de interesse precisam ser declarados, protocolos precisam ter lastro em evidência, desfechos devem ser medidos e comunicados com honestidade, privacidade de dados é inegociável. Publicidade em saúde tem limites claros e necessários; posicionamento profissional se constrói como serviço ao público, não como espetáculo. Uma marca forte não é a que fala alto, é a que se comporta bem quando ninguém está olhando.

Também aprendi a diferença entre indicador que conforta e indicador que transforma. Curtidas, seguidores e alcance podem ter o seu papel, mas só fazem sentido quando conectados ao que importa: tempo até o diagnóstico, adesão terapêutica, controle de parâmetros clínicos, complicações evitáveis, readmissões, retorno ao trabalho, desfechos relatados pelo paciente. Medir o que interessa dá trabalho, exige método e, às vezes, expõe fragilidades. Ainda assim, é aí que estão as alavancas. Quando o indicador dói, ele está apontando para onde o cuidado precisa de projeto e liderança.

Como enfermeira, eu trago um olhar sistêmico para a coordenação do cuidado. Eu vejo valor em padronização inteligente, aquela que reduz variabilidade indesejada sem sufocar o juízo clínico. Vejo valor em checklists que salvam do esquecimento, em treinamentos que diminuem o medo de perguntar, em revisões de casos em que aprendemos sem buscar culpados. E, do lado da estratégia de marca, vejo valor em narrativas que educam. A autoridade que importa na saúde nasce da capacidade de sintetizar evidência de forma acessível, de contextualizar risco e benefício, de manter coerência entre o que se promete e o que se entrega. A melhor “campanha” ainda é o paciente bem cuidado que entende o porquê das condutas e sabe como proceder.

Eu sei que toda escolha de carreira carrega renúncias. Entre aprofundar uma superespecialidade, assumir gestão, empreender um serviço, liderar educação continuada, pesquisar ou combinar tudo isso em ciclos, não existe um caminho certo universal. Eu escolhi construir pontes: entre a experiência clínica e o desenho de serviços, entre a qualidade assistencial e a sustentabilidade do negócio, entre a identidade profissional e a confiança pública. Em cada projeto, pergunto se o que estamos criando é mais seguro, mais simples, mais justo e mais replicável. Se a resposta for não para qualquer um desses critérios, eu retorno à prancheta.

Tecnologia, para mim, é uma aliada vigilante. Eu me interesso pela “porta digital de entrada”, por ferramentas que reduzem tempo ocioso, por teleatendimento com critérios, por automações que tiram a equipe do trabalho repetitivo e a aproximam do paciente. Mas tecnologia sem propósito produz barulho; tecnologia com propósito cria condições para o cuidado acontecer melhor. O compromisso com privacidade, consentimento informado, registro adequado e auditabilidade não é opcional. Assim como o reconhecimento de vieses e limites de sistemas automatizados. Na dúvida, eu devolvo a pergunta ao princípio: isso aumenta a qualidade e a segurança do paciente? Se não, não é prioridade.

Há também uma dimensão financeira que precisa ser tratada com serenidade e transparência. Modelos de remuneração, mix de pagadores, precificação responsável e reinvestimento em qualidade não diminuem a nobreza do cuidado; sustentam-na. Eu aprendi a distinguir preço de valor e margem de propósito. Um serviço que não se sustenta morre antes de amadurecer, e um serviço que se sustenta às custas de atalhos erosiona a confiança que levou anos para ser construída. Quando posiciono uma proposta para o mercado, faço isso com a mesma ética que defendo na assistência: descrição clara do que entrego, para quem entrego, como mensuro, quais limites existem e como lido com eles.

No fim, empreender, para mim, é uma disciplina de atenção. Atenção ao que realmente acontece com o paciente entre a consulta e a vida real. Atenção ao que a equipe sente e consegue executar. Atenção aos sinais que o sistema emite quando algo está desalinhado. Atenção àquilo que só a sua prática pode oferecer de maneira singular. Com essa atenção, as decisões de carreira deixam de ser binárias e viram um portfólio de experimentos: um serviço-piloto para um nicho específico, uma trilha de educação continuada que resolve uma dor concreta, uma parceria com outra especialidade para fechar lacunas de cuidado, um projeto de comunicação que eleva o nível do debate público. Pequenos começos, medidos com honestidade, geram aprendizados que se transformam em padrões. Padrões, quando bem desenhados, viram cultura. E cultura é o que permanece quando o fundador não está na sala.

Se eu pudesse deixar uma única provocação, seria esta: trate sua reputação como trataria um desfecho clínico. Defina o que significa sucesso, explicite os riscos, desenhe o plano, execute com consistência, meça com rigor, aprenda com humildade e ajuste sem medo de recomeçar. A sua marca pessoal é a assinatura que você imprime em cada processo que desenha, em cada equipe que forma, em cada paciente que acompanha. Quando essa assinatura se alinha a um serviço que funciona, o empreendedorismo deixa de ser um rótulo e vira uma forma de cuidar.

Escrevo na primeira pessoa porque assumo a responsabilidade do que proponho. Não falo de fórmulas fáceis nem de atalhos sedutores. Falo de trabalho, método e compromisso com o que é certo mesmo quando ninguém está olhando. Se, ao terminar este texto, você se pegou pensando em um fluxo que merece ser redesenhado, em uma linha de cuidado que pode ganhar confiabilidade, em um indicador que você precisa medir de verdade ou em uma parceria que pode ampliar o alcance do seu serviço, então esta conversa já gerou o impacto que eu busco. Empreender, para mim, é isso: dar forma estável ao cuidado que defendemos, com ética, ciência e humanidade. E é com esse norte que sigo tomando minhas decisões de carreira.

Bruna Nadaletti
Sou enfermeira, treinadora corporativa, palestrante e mentora. Mãe do Pedro e da Maria Cecília, esposa do Werner, moro em Passo Fundo – RS. Meu propósito é inspirar e ajudar profissionais, especialmente empreendedores e gestores, a definirem as melhores estratégias de comportamento e marca pessoal, a fim de torná-los diferenciados e bem-sucedidos no alcance de seus objetivos e resultados, tanto individuais quanto corporativos, pautando-me na seriedade, integridade e conhecimento científico.

A seguir, um breve resumo da minha formação e habilitações:

  • Graduação em Enfermagem (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim – RS; 2012).
  • Mestrado em Educação (Universidade de Passo Fundo – RS; 2016).
  • MBA em Gestão de Negócios, Inovação e Empreendedorismo (Escola Superior de Gestão e Negócios; 2019).
  • Formação em Personal Branding pela University of Virginia (2022).
  • Formação em Skills e Gestão de Carreira pela Harvard Business School (2023).
  • MBA em Branding e Marketing Digital (Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS; 2023).
  • Habilitação como Treinadora Corporativa – Ciro Daniel Formador de Educadores Corporativos.
  • Doutorado em Enfermagem (Universidade Federal de Santa Catarina – em andamento).

 

 

 

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